Tenho levado a vida em bicharias.
Logo em pequeno a minha mãe mandava-me para a bicha das senhas do racionamento. Aquilo eram bichas para tudo: para o arroz, massa, açúcar, pão, petróleo e afins...
Fila para o barco da Ilha |
Depois tive que sofrer com as bichas para o cinema António Pinheiro. Era cada fila que quase dava volta à rotunda da Corredora... e quando chegava à bilheteira já a lotação estava esgotada.
O que me irritavam estas bichas...
Depois, quando fui para Lisboa trabalhar, era um "vê se t´avias". Bichas para o eléctrico, autocarro, para a bica, teatro, enfim, nunca vi uma terra com tanta bicha.
Quando vinha de férias para Tavira, isso então era o fim do mundo, com aquelas longas bichas para o barco do Pilar nos levar para a Ilha.
As bichas têm sido, por isso, um martírio da nossa vida. Já alguém calculou o tempo que até um desempregado perde, para ser atendido numa repartição pública em Tavira?
Porém, felizmente, as bichas acabaram. A crise moderna até atingiu as bichas e a nova tecnologia acabou com essa odiosa fileira de pessoas a queixarem-se das "cadeiras", das pernas, dos calos, e dos "chico-espertos" que, maroscamente, se introduziam nos lugares da frente.
Acabou o reinado das bichas, mas começou o reinado das senhas. Agora um indivíduo entra naqueles espaços públicos, onde nos sacam a massa, prime o botão, recebe em troca a tal senha, senta-se numa cadeira, quando há, dorme uma soneca e espera que a máquina com um toque subtil o desperte e o mande avançar.
Isto acontece por todo o lado. É nos correios, nas finanças, nos telefones, água, caixas, bancos, etc., e até na peixaria do Pingo-Doce.
Todavia a irritação do utente não passou. E o mal agora não é das senhas, mas sim de quem nos atende. Umas vezes os zelosos funcionários perdem-se em conversas fúteis com os conhecidos, outras vão tomar a bica e deixam a casa a abarrotar, com uma só colega a atender.
Qual é o utente tavirense que já não desesperou nos CTT, na Caixa de Depósitos ou na Tesouraria das Finanças?
Ambrósio Antunes
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